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Zabumba do Mestre Chimba


A energia do pife – Parte 01

No ano celestial de mil novecentos e noventa e oito, andando por uma cidade do interior pernambucano, escutei um poder sonoro que me fez tremer do cóccix até o pescoço. Um contato imediato com algo bem hardcore: um Power quarteto enlouqueceu e instigou meus sentidos nordestinos. Eu não conhecia a força de um forró pifado executado em seu habitat natural.


Lembro que a sensação que tive quando escutei o grupo foi a mesma de quando ouvi Ramones pela primeira vez. Era o underground da música batendo pesado no estilo mais roots que tinha visto e sentindo até aquele momento de vida. Não hesitei, entrei no forró pifado como se fosse uma roda poco.


Estava em Maraial, cidade pernambucana localizada a 154 km de Recife, lá o som pifado pegou pesado em minha mente em uma noite junho. Pois bem, depois de três quartinho de Rainha Pernambucana, ninguém segura mais ninguém nesse mundo. A banda de pífano fez um som eletrizante e os músicos não paravam um minuto de dançar e tocar.


Era efervescente, isso tudo rolando em um galpão que no horário administrativo funcionava como uma oficina, ou seja, não tem nada mais underground comparado ao que eu já tinha visto até aquele momento e posso dizer que mudou minha percepção sonora até os dias de hoje. Vocês podem até achar sacanagem essa minha comparação de um forró pifado e um punk Rock dos Ramones, mas na verdade não é e nunca será, para mim, a vibração é a mesma, já diz a letra da música “Instinto Coletivo” do Rappa cantada por Marcelo Falcão: O folclore é Hardcore e instiga a alegria.


Um pouco mais tarde, tive o prazer de desfrutar dessa mesma energia em minha terra natal, Cabo de Santo Agostinho, quando comandei por quatro temporadas o programa radiofônico nação cultural, pela rádio comunitária que derrubava avião (ironia), na Sucesso FM, em frequências moduladas. No último sábado de cada mês levávamos, eu e a produção da rádio, uma banda para tocar ao vivo nos estúdio que ficava nos fundo da casa dos avós de Charleston Noronha, “CEO” da “zorra” toda. A banda da vez em nosso humilde estúdio era a Zabumba do Mestre Chimba, na época comandada por Júnior Kaboclo, tinha a seguinte formação: Junior Kabloco e Joan Artur nos Pífanos, Costelinha no caixa, Paulo Batera nos pratos e Aratanha na Zabumba. Foi a primeira de três vezes que eles estiveram por lá.


Gravações rústicas da época que apresento no link a baixo não me deixam enganar o amigo leitor. Outra coisa que vale a pena pontuar na gravação é a participação do também criador do programa nação cultural, Diógenes Costa, desfrutando de seu momento apresentador e dividindo comigo o microfone naquela tarde de sábado. Acompanhe aqui um trecho desse nosso encontro no ano de dois mil e dois, há exatos vinte anos.


Trecho do programa de 2002 (Som Extraído de Fita Cassete):

Zabumba Mestre Chimba_ Nação Cultural _2002
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Seis anos depois, quando estávamos eu e Júnior morando fora do nosso estado, tive um encontro com ele em Paulínia-SP, Júnior morando em Guarulhos e eu trabalhando no interior paulista. Na época do encontro, nos tempos livres, eu escrevia para o blog nação cultural e fazia gravações mandando via e-mail para a rádio sucesso em Santo Agostinho PE. Ao mesmo tempo, Júnior estava tocando na lendária banda de pife de Caruaru e cheio de planos para seu futuro na música. Agora ele dividia o palco com a lenda do pife Sebastião Biano. Ao assistir à apresentação da banda me senti de volta em Maraial. O show aconteceu no SESC Campinas – SP: Júnior, Sebastião e a Bianada, juntos, colocaram todos para dançar ao som do maior ritmo nordestino, o forró pifado. Naquele dia fiz filmagens e fotografias que compartilho com vocês no link abaixo.




A passagem de Júnior Kaboclo por Campinas não ficou só na apresentação, gravamos um programa exclusivo, na marra e na qualidade que possuíamos na época, ou seja, quase nenhuma, mas gravamos e levamos ao ar.


Segue a primeira parte desse programa e as novidades do nosso convidado.

Nação Cultural_entrevista_Junior Caboclo - Parte 01
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Zabumba do Mestre Chimba - Foto extraída do @zabumbadomestrechimba


A Zabumba do Mestre Chimba é resistência cultural em meio ao caos – Parte 02


Os registros de música de Pífano no Cabo de Santo Agostinho PE, remete ao começo do século XIX, a manifestação cultural era realizada por escravos, em comemoração a São Benedito, no Engenho Massangana. No livro de Israel Felipe, História do cabo, o autor escreve:


“Música de Pífano – Comemora-se em Massangana, a 26 de Dezembro, uma festa tradicional em louvor a S. Benedito. A Solenidade não é realizada na capela do engenho, sob o orago de S. Mateus. São Benedito foi festejado pela primeira vez, naquela propriedade rural, no começo do século XIX pelos escravos. A imagem vem sendo guardada em casa de descendentes dos instituidores da festa.”


Criação da Zabumba do Mestre Chimba: Parte 2.1


Ao final dos anos noventa, em uma oficina cultural, Júnior Kaboclo capacitou alguns jovens e amigos na arte do pife. A criação de um grupo de Pífano era uma questão de tempo. A empolgação de Júnior crescia com o resultado das aulas na oficina e o “mote” estava presente na cabeça do professor o tempo todo, e assim foi feito: ao final da capacitação convidou alguns alunos para montar uma banda de Pífano e homenagear uma das bandas mais antigas do Cabo de Santo Agostinho e seu mestre pifero, o Luiz e Xinga, da Banda de Pífano Nossa Senhora da Conceição.


Junior já conhecia o mestre Xinga e o apresentou a Joan Artur: um dos alunos da oficina. A nova geração do pife, Junior e Joan, gostava de ir a Massangana para conversar e tocar um pife com o mestre que adorava uma goiabada com uma cachacinha, o agrado ficava por conta dos dois jovens.


Foto por: Marcelo Ferreira, Imagem extraída do instagram da Zabumba do Mestre Chimba:

Mestre Xinga anos noventa.

Foto do instagram da banda Zabumba do Mestre Chimba:


A ida de Junior Kaboclo para Guarulhos fez de Joan Artur seu sucessor a frente da banda de pife para continuar levando o nome da Zabumba a outros lugares e palcos dos diversos movimentos culturais espalhados pelo Nordeste. Só que Joan foi além, reconhecendo a luta da resistência cultural como poucos, fez do seu pife um instrumento de manifestação social.

Hoje Joan Artur é figura carimbada no meio artístico da cidade do Cabo de Santo Agostinho, é articulador de movimentos ligados às manifestações de políticas públicas, é incansável na arte do fazer cultural, é defensor das causas sociais e da música como plataforma educacional para formar pessoas sensíveis a arte. A luta é incansável na busca por uma qualidade, equidade e manifestações de novos brincantes, afinal de contas, sem a música a vida seria um erro. (Friedrich Nietzsche)


Foi em um desses movimentos, em dois mil e dezesseis, que Joan, como arte-educador, foi convidado pela Associação dos Bacamarteiros do Cabo (SOBAC) para realizar uma oficina de pife, repetindo o que seu companheiro tinha feito há vinte anos. Para não matar a tradição, Joan, depois que formou a primeira turma, teve a ideia de intitular os formandos de O Pifado da Abelha. Explico já o porquê.


É bonito perceber o quanto gentileza gera gentileza e histórias boas para contar. O Cabo de Santo Agostinho, a cidade que mais mata jovens negros nesse país, tem muitos bons exemplos que devem ser seguidos. É só olhar com carinho e cuidado para uma parcela de multiplicadores do bem. Esses fatos mostram a verdade dos artistas que contam histórias parecidas: “...Abre a janela da favela e você vai ver a beleza que tem por dentro dela...” (Ponto de Equilíbrio).


Pifado da Abelha: Parte 03


Uma das aulas da oficina, desenvolvida por Joan, é a procura de Tabocas para a construção do pífano (Taboca: O mesmo que Bambu ou Taquara, usado para criação artesanal do Pife).


Alunos reunidos com alguns membros da SOBAC, de bacamarte em punho (brincadeira), foram buscar umas tabocas na usina mais perto. No meio da colheita de tabocas o inesperado acontece: um enxame de abelha pegou todos de surpresa, a correria foi geral, pernas para que te quero! Abelhas enroscadas em cabelos, picadas no rosto, orelha, braços e pernas, até queda de ribanceira teve. Resultado da busca por tabocas: meia dúzia do produto, corpos inchados, arranhões e ferrões de abelhas. Porém, nem tudo se resume a comentários ruins sobre a aula em campo: depois do ataque das abelhas e de correr muito, o grupo parou para tomar uma água na barraca mais próxima, foi quando Ivan Marinho (artista plástico, escritor, poeta, anarquista cultural, Professor, apresentador, comunicador, gestor cultural, presidente da Associação de Bacamarteiros do Cabo, articulador de movimentos artísticos e responsável pelo museu do bacamarte do Cabo de Santo Agostinho, uufa!) puxou papel e caneta e fez uma poesia sobre ataque que tinha acabado de acontecer e intitulou de: A Pifada da Abelha. Já na sede da SOBAC, Joan pediu a poesia a Ivan e musicou. Depois do ataque das abelhas e poesia musicada veio a ideia de que todas as turmas formadas pela parceria, Joan e SOBAC, seria batizada de pifado da abelha e haveriam apresentações dos alunos ao final de cada oficina.


Curiosidade: Perguntei a Joan Artur, por que Zambumba do Mestre Chimba? Já que o nome do mestre pifero era Luiz de Xinga. Ele sorriu e falou que no começo eles não entendiam direito a pronuncia, escutavam “Chimba”, só depois de um tempo foram compreender que era “Xinga”, mas o nome da banda já estava batizado como “Chimba” e pegou, o resto é história.


Luiz de Xinga morava em uma casa de taipa, onde os meninos passavam as tardes conversando e tomando um “gole gole”. Na medida que o tempo foi passando, mais intimidade eles tinham com o mestre. Um belo dia tiveram a ideia de fazer uma campanha e reconstruir a casa do mestre com alvenaria, esse movimento foi feito em uma parceria com Ivan Marinho, na época, diretor de cultura da prefeitura do Cabo e conseguiu mobilizar os corações de carreiristas de cargos públicos para a causa do Mestre Xinga.

A história nos conta que a campanha foi um sucesso e finalizada com um evento no Teatro Barreto Junior (Teatro que pegou fogo depois de abandonado pelo poder público): o show da Zabumba do Mestre Chimba com a presença do próprio Luiz de Xinga participando e se emocionando com a homenagem feita em vida.


Foto por: Júnior Kaboclo, Zabumba do Mestre Chimba - Foto extraída do @zabumbadomestrechimba



O que significa Chimba; A curiosidade aqui fica por conta das diferentes formas de usar a palavra em Espanhol: em Madri, Chimba é conhecida como Arma de Fogo de Produção Artesanal (Na minha cabeça isso é um bacamarte, ligando direto o pife ao bacamarte); No espanhol da América do Sul, Chimba pode ser usado de diversas formas, sempre para dizer que algo é positivo, muito bom: “¡Colombia es una chimba!”.


Zabumba do Mestre Chimba - Foto extraída do @zabumbadomestrechimba


Sobre a importância de se manter uma tradição: Parte final.

As manifestações culturais são multiplicadoras de bons exemplos para a história de um povo, é cuidando de uma tradição que se pode contar o passado às gerações futuras. A aldeia que sabe de sua tradição não se deixa levar por qualquer farsante, por outro lado quem não sabe da força do chão que pisa é facilmente enganado, atraídos feitos ratos para uma cultura de massa e passageira.


Se Massangana é o berço do pife no Cabo de Santo Agostinho e da Região da mata sul do estado porque deixamos morrer a tradição do culto a São Benedito? Será Luiz de Xinga um descentende desse povo, que matinha a imagem do santo em sua residência para culto e manifesto cultural? Tantas perguntas sem respostas. O povo que não sabe da importância da sua aldeia viverá as margens sobre domínio dos farsantes de plantão.


Não é preciso falar da importância de uma manifestação cultural para a economia local, e o quanto de novas oportunidades esse tipo de tradição popular pode trazer para as famílias e para o munícipio. Querem falar de Sustentabilidade? Pois bem, que comecem pela economia e a forma de fazer girar o dinheiro entre os mais necessitados, nada melhor do que uma bela tradição para que isso aconteça de forma limpa e sustentável.


Esse instinto coletivo é que agrega e forma culturas, traz um olhar diferenciado para quem mora na comunidade e ajuda a ter esperança. Construir algo que não seja só violência e morte. Esse tipo de cuidado com a tradição, manifestações culturais, afasta pessoas do crime capacitando e dando conhecimento para uma vida melhor e digna.


Hey Ho, Lets´s Go!


Viva a Massangana, viva a Mestre Luiz de Xinga, salve São Benedito e viva a Zabumba do Mestre Chimba!



A Zabumba do Mestre Chimba é:


Joan Artur - Pife

Noel Pedro - Pife

Paulo Cavalcanti - Caixa

Alexon Junio - Zabumba

Marquinhos Lima - Pratos

Zé Geraldo - Viola



Comente o que achou da Zabumba do Mestre Chimba e do pife do litoral da mata sul de Pernambuco.


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