Minona Carneiro:
“Ele tinha um jeito de cantar espetacular, tinha um sotaque, dava inflexões incríveis cantando embolada.” Manezinho Araújo comentando sobre Minona Carneiro no Programa MPB Especial TV Cultura em 1973. Programa comandado por Fernando Faro diretor e criador de programas. Anos depois a pegada era feita para o programa Ensaio no mesmo canal persistindo até os dias atuais como um verdadeiro Bálsamo “cicatrizando” esse caos da TV brasileira.
Severino de Figueiredo Carneiro nascido em 1902 partiu de forma prematura para outro plano espiritual em 1936, com apenas 34 anos de idade, mas deixou um legado que perdura. Assim como Minona Carneiro foi para o Rei da Embolada Manezinho Araújo, uma grande influência, da mesma forma, Manezinho é para tantos outros da música Nordestina.
Essa ação de causar um efeito em outra pessoa é a melhor forma de se manter um legado de fazer pessoas evoluírem naquilo que se espelham. Assim foi, e sempre será desde primórdios. É por isso que hoje quando escuto ou vejo alguém cantando uma embolada ou algo que me remeta a Manezinho Araújo, a primeira coisa que vem a cabeça é; como era grande Minona Carneiro, a ponto de fazer com que um amigo se tornasse uma das maiores influências da música nordestina.
Programa de 1973 o Agostiniano Mazinho Araújo comenta: “Me influenciou muito porque eu fui aprendendo com ele”. Manezinho e Minona gostavam muito de festas e varar a noite na Boemia era uma verdadeira brincadeira. Essas noites eram conhecidas como Brinquedinho e duravam até amanhecer o dia. “Onde é o Brinquedinho hoje?” Perguntavam aos amigos nas noites da década de 20, há cem anos. Essas noites eram pequenas para seu Minona e se Mané. E quanto mais o tempo passava a amizade ganhará mais forças.
De acordo com o site de arquivos de música Marcelo Bonavides, em 1927 Minona viajou para o Rio de Janeiro, como integrante do Grupo Voz do Sertão onde Minona fez suas primeiras gravações. Voz do Sertão, o conjunto instrumental e vocal nasceu em 1927 criado por Luperce Miranda um dos maiores Bandolinista do Brasil na época e um grande compositor. A formação era a seguinte:
Luperce Miranda ao bandolim, Meira ao violão, José Ferreira ao cavaquinho, Robson Florence ao bandolim e Minona Carneiro como cantor. O grupo não durou muito, mas o bastante para deixar sua marca na discografia brasileira.
Canta: Minona Carneiro.
Em Agosto de 1928 gravado pela Odeon o primeiro LP do grupo, nesse trabalho Minona cantava; Fox, Valsa Choro, Choro, Marcha, Samba e claro Embolada a maioria em parceria com Luperce Miranda.
Em 1930 participou do grupo Desafiadores do Norte. Durante esse período ele gravou a embolada "O trem vai chegá" e a marcha lundú "Meu girassol", de sua autoria. E alcançou destaque com "Sertão do Surubi", em parceria com Luperce Miranda.
Canta: Minona Carneiro
Uma das Embolada gravada por Minona Carneiro foi “Ai Maria” em LP naquele ano. E em 1973 foi apresentada de forma linda por Manezinho Araújo. Foi essa gravação do programa MPB da TV Cultura que me chamou atenção para a grandeza de Minona Carneiro.
Ao ouvir “Aí Maria” pela primeira vez estava em Paulínia SP. As lágrimas brotaram assim que Manezinho entoou as primeiras frases. Lembrei-me de varias Marias, do cheiro da minha terra Cabo de Santo Agostinho com sua feira de rua que o trem cortava indo a Catende, das ruas estreitas mal cuidadas, da “marisia” das ondas do mar de Gaibu e Suape com suas rodas de Ciranda e tantas Marias segurando as mãos cultivando as raízes.
Essas memorias apareceram de forma singular em frações de segundos; não tive como conter a emoção. E mais uma vez pensei: Como era grande esse Minona Carneiro.
“Aí Maria era do repertório de Minona Carneiro. Foi uma das grandes criações do Minona. Ele chegou a gravar no Rio de Janeiro o Aí Maria. Muitos anos depois eu regravei.” Manezinho em entrevista para Programa MPB 1973.
Deixo aqui Aí Maria Embolada de Minona Carneiro e Luperce Miranda.
Aí Maria, aí Maria, ai Maria,
Maria é meu amor Ah, ah, ah!
De Repente o que sai da minha lira,
Denuncia uma vida Tenebrosa.
Essa Longa existência é tão penosa,
Já fiz coisa que o mundo se admira,
Dei um furo na serra da Passira,
Mais comprido que o cume do pavão,
E Lá dentro eu pus meu arçapão,
Que era contido de todas as navaia,
Só pra vê se eu pegava os canaia,
Que andava falando dos gavião.
Aí Maria, aí Maria, ai Maria,
Maria é meu amor Ah, ah, ah!
Foi no sétimo túni da Rucinha,
Trem de carga descia em disparada,
No tombo que eu dei na retaguarda,
Avuei o trem fora da linha,
Em atenção aos amigos que ali vinha,
“Seu Minona” não podia ter demora,
Com cabelo eu fiz uma escora,
Alavanca de dois cambão de milho,
Pus de novo o trem em riba dos triu,
Maquinista apitou e foi embora.
Aí Maria, aí Maria, ai Maria,
Maria é meu amor Ah, ah, ah!
No livro de José Teles “Cuma é o Nome Dele?” sobre a vida de Manezinho Araújo de 2013 pela editora Bagaço, ele comenta sobre uma reportagem de 1981 pela fundaj. Creio que feita pelo escritor e pesquisador Renato Phaelant. Em 2011 tivemos uma conversa com Renato, Eu e o Maestro Domingos Sávio sobre o Rei Manezinho Araújo. O escritor comentou dessa entrevista cedida a ele por Manezinho. Hoje faz parte do acervo da Fundaj. José Teles descreveu assim:
“Ele (Minona Carneiro) foi o maior cantor de embolada que já vi na vida. Conheci muitos, mas ele foi mestre, um perfeito cantador de emboladas. Não era só voz – se fosse, eu não seria. A embolada requer destreza na articulação, pronunciamento das palavras, no maquinismo oral da embolada. De forma que, tendo essas qualidades, ele era perfeito embolador, se entendia tudo que ele cantava. Hoje tem gente que canta e a gente não entende nada, e não é só na embolada. Sofri total influência dele. Ele propriamente não me ensaiava, gostava de me ouvir cantar, me fazia cantar. Ele compunha e eu cantava, e eu passei a compor. Ele cantou muitas músicas minhas.”
A forma de falar com cuidado e carinho do amigo são vistas e percebidas em todas as entrevistas que já li sobre Manezinho Araújo. Foi assim que cheguei até ao som de Minona. Essa gratidão de lembrar-se do amigo de forma respeitosa faz com que a história de nossa música tenha base. Ela é grandiosa assim como foi o Minona Carneiro que com toda certeza teve as suas influências.
Se o Rei da Embolada foi referência para inúmeros artistas de Luiz Gonzaga, Gilberto Gil, Geraldo Maia a Lenine. Se ele foi, e é, razão para muita gente começar a pintar, cantar, cozinhar e compuser canções sobre o nordeste e suas histórias e trajetórias, eu sempre pensarei; como era grande esse Minona Carneiro.
Severino de Figueiredo Carneiro
Nascido - 23/11/1902 Recife, PE.
Passagem – 1936 - Recife, PE.
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